ILÍDIO MARTINS
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EX-TOXICÓMANO FALA DA TERRÍVEL DEPENDÊNCIA
DA DROGA E DE COMO ACABAR COM ELA
SEM RECORRER A OUTRAS DROGAS

© Ilídio Martins/Luso-Americano

Tudo começou em 1964 nos arredores de Toulouse. Depois de uma infância agitada e de uma juventude marcada pela guerra e pelas prisões nazis, Lucien J.Engelmajer, um professor alemão de psicopatologia, decidiu instalar-se numa quinta em ruínas nos arredores daquela cidade francesa.
Amante da juventude e das artes, a sua nova casa cedo se converte num lugar de encontro de jovens artistas, todos mais ou menos marginalizados, e pouco a pouco apercebe-se do consumo generalizado de todo o tipo de drogas. Conhecedor da complexidade do problema, Lucien Engelmajer lança, pouco tempo depois, as bases da que se tornara, anos mais tarde, numa das organizações pioneiras no combate à toxicodependência e à SIDA (AIDS): a associação "Le Patriarche".
Partindo de um modelo de desintoxicação revolucionário para a época — corte abrupto e radical com todas as substâncias tóxicas compensado por infusões calmantes e dieuréticas, exercícios físicos para ajudar a fazer funcionar os músculos atrofiados pela síndroma da abstinência, etc. —, "Le Patriarche" levou longe a sua terapia inovadora: os agentes terapeutas eram, como ainda hoje, ex-toxicómanos.
Com uma percentagem de sucessos na recuperação de toxicodependentes francamente animadora, a associação "Le Patriarche" está, actualmente, espalhada por todo o mundo, movimentando milhares de jovens e desenvolvendo acções sociais nos mais diversos campos.
Portugueses, ao que parece, são umas centenas. Luís Manuel Santos Beira, de 27 anos, é um deles. Toxicómano durante cerca de oito anos, entre os 15 e os 23, Luís Manuel, natural de Lisboa, da freguesia do Beato, foi um dos muitos toxicodependentes que se viu forçado a renunciar a tudo o que não se prendesse directamente com o consumo de droga.
Tentativas de desintoxicação passou por algumas. Todas falhadas, o curso de engenharia e o emprego como programador de computadores acabaram por falhar também. Hoje, depois de ter descoberto "Le Patriarche", Luís Manuel não se droga há quatro anos.
E foi para falar da sua experiência pessoal que fizemos esta entrevista. Da sua experiência pessoal como toxicómano e da associação de que faz parte e à qual resolveu dedicar-se.
— Como surgiu esta associação?
— A associação foi fundada em França, há 20 anos, por Lucien J.Engelmajer, um francês que foi preso pelos alemães na II Guerra Mundial. Conseguiu evadir-se, e quando chegou de novo a França o Governo encarregou-o de se ocupar de crianças filhas de pais que tinham sido mortos na guerra. Com o passar do tempo, começou a dedicar-se ao problema da toxicodependência. Pouco tempo depois começaria esta acção com os jovens tóxicos, e de uma maneira nova. É o ex-toxicómano que ajuda o que chega, o que quer dizer que é muito mais fácil para quem está a tentar acabar com o problema da droga falar e/ou confiar em alguém que já passou pelo mesmo problema. É mais fácil confiar em alguém que passou pelo mesmo problema — que o pode entender quando ele fala —, do que com quem está por detrás de uma secretária, com uma bata branca, que quase nunca entende muito bem o problema, porque não passou por ele. Muitas vezes é necessário sentir na pele os problemas para os entender. Actualmente, a associação está implantada em 17 países. Pouco a pouco, fomos abrindo centros onde os jovens podem fazer uma cura de toxicodependência, onde não se dão medicamentos de susbtituição — o que acontece em grande parte dos programas deste tipo —, não damos metadona, tranquilizantes, etc. Os jovens curam-se também através de uma terapia de trabalho. O jovem que chega aos nossos centros vai ganhando, gradualmente, responsabilidades cada vez mais importantes, que é a melhor forma para a sua reinserção social.
— Conte-me a sua experiência pessoal.
— A minha história pessoal é mais ou menos igual a todas as outras. Com mais ou menos 15 anos comecei, com os amigos, e talvez por curiosidade (nunca cheguei a saber muito bem porquê), a drogar-me. Isso de muitas vezes dizerem que é por causa da família nao se aplica ao meu caso. Os meus pais são pessoas extremamente boas. Tive uma educação óptima, não me faltou nada. Acho que comecei a drogar-me mais por uma questão de curiosidade, talvez para passar a barreira do que é proibido, o que é legal, em busca de qualquer coisa. Ou seja, aos quinze anos não se sabe muito bem porquê, mas talvez tenha sido por isso. No início começa por ser uma brincadeira com os amigos, na discoteca, e passados um ou dois anos passou a ser qualquer coisa de verdadeiramente grave. Já não era uma questão de curiosidade ou de amigos, mas uma questão a que talvez possa chamar de inadaptação à sociedade. Era uma maneira de fugir à realidade da vida. E isso talvez se tenha passado também porque não me agradava muito a vida que levava. Nao sei bem. Talvez eu fosse um inadaptado na sociedade da altura. Então, pouco e pouco, comecei a entrar no que se chama drogas duras. Quando acordava pela manhã a primeira coisa em que pensava era no dinheiro para encontrar droga e depois drogar-me, e quando me deitava à noite deitava-me com a ideia de arranjar dinheiro para a droga ou de me drogar. E andei assim até aos meus 23 anos, ou seja, oito anos. Fiz tudo o que era possível e imaginável. Roubei um pouco, menti muito, tive que saír do trabalho. Tornou-se incompatível trabalhar, e além do mais fazer o que eu fazia. Era programador de informática... 
— Quais são os métodos de cura que utilizam?
— No momento em que um jovem chega a um centro nosso, logo nessa primeira hora, começamos por fazer-lhe uma busca. Ou seja, desde que entra no centro acabaram-se as drogas. E isto normalmente porque um toxicómano sempre leva um pouco de droga. Os dez primeiros dias, que são os dias piores, onde há um problema físico, o jovem é acompanhado 24 horas por dia por um ex-toxicómano, por um de nós. Nos primeiros dias, o jovem está sempre acompanhado por alguém, incluindo à noite. Como se imagina, o jovem que está em falta de heroína ou de cocaína nao consegue dormir. Nos primeiros quatro ou cinco dias não vai dormir, pelo que precisa muitas vezes de falar com alguém durante a noite, de descarregar os nervos, as suas dúvidas. Depois, tentamos atenuar a falta da droga física. Como sabe, os médicos descobriram há muito tempo que o nosso corpo possui endorfina, uma substância que o corpo produz quando se faz, por exemplo, ‘footing’. Repare que há muita gente que faz ‘jogging’ ou ‘footing’. A endorfina é uma substância que o corpo cria quando é sujeito a um esforço físico, que atenua um pouco o ‘stress’ e que faz sentir o praticante um pouco melhor. Nos dez primeiros dias tentamos sempre fazer com que o jovem faça o máximo de esforço possível durante o dia, com que faça longas caminhadas, sempre acompanhado por alguém e falando. Fazer o máximo possível de esforço físico contribui para que o jovem nao se deixe abater numa cama, mas que tente. Damos também uns chás seis vezes por dia, cujas características variam com o tipo de toxicodependência.
— E depois desses primeiros dias?
— Depois é a parte mais difícil, que é a recuperação psíquica. Então entramos num programa de longa duração. O mínimo é um ano. E um ano porque é impossível tentar curar num mês um jovem que se drogou, por exemplo, durante dez anos. É impossível que alguém esqueça dez anos da sua vida num mês. Depois de o jovem se sentir bem fisicamente começa verdadeiramente, pouco a pouco, o trabalho importante, que é reestruturar outra vez os seus valores morais, o que é o respeito, o que é o amor, o que são os valores da família, da sociedade, o que é o sentido de responsabilidade, o que é levantar-se às sete da manhã — porque temos estruturas do tipo levantar-se às sete da manha e deitar às onze da noite —, etc. Ou seja, é todo um reaprender outra vez a viver, a fazer uma vida sem droga.
— Quais são as percentagens de recuperação?
— À volta de sessenta por cento. O que não é nada mau.
— E as actividades? Quais são as actividades que a associação desenvolve?
— Temos quatrocentas actividades diferentes. Temos um jornal, carpintaria, construção, cozinha, costura, mecânica, relações exteriores, etc. Temos muitas actividades diferentes, e isso porque somos muito flexíveis. Alguém, por exemplo, que chega à associação e era desenhador de modas, pode propor, ao fim de um certo tempo, determinado trabalho dentro dessa área. Nós damos-lhe os meios e a oportunidade de fazer. O jovem encontra sempre a actividade que vai gostar. Temos centros mais dedicados ao desporto, outros mais dedicados à agricultura. Temos, por exemplo, um centro em Portugal, em Santa Margarida, que é completamente dedicado à ganadaria.
— E donde vem o dinheiro?
— Na Europa, uma parte vem do Governo. Em Portugal, por exemplo, recebemos dinheiro da Santa Casa da Misericórdia e do Estado. Outra parte vem das famílias. O jovem quando entra na associação paga, durante um certo tempo, a sua cura. Contamos ainda com financiamentos privados. Temos também livros e revistas que vendemos nós mesmos. Por exemplo, tudo o que é material de construção, vem normalmente da igreja, de pessoas que têm muito dinheiro, de dadores. Há pessoas que nos chegam inclusivamente a dar casas, que depois restauramos. Em França, por exemplo, temos alguns castelos que nos foram dados e que nós restaurámos. Em Portugal temos um palácio em Torres Vedras, que era a Quinta das Lapas e onde viveu um rei, e que comprámos por uma quantia simbólica. Restaurámo-lo, e agora é um monumento de interesse público.
— Como e que se processa a gestão de uma organização destas?
— Dentro de cada país, cada centro depende da sua região. Por exemplo, na América, o Estado de New York coordenaria um centro em Buffalo e/ou em New Jersey, enquanto na Califórnia São Francisco dependeria da região de Los Angeles. As regiões dependem, por sua vez, de uma direcção nacional para cada país. Em Portugal, a direcção nacional é em Torres Vedras, enquanto que em Espanha é em Madrid e em França é em Toulouse. Por seu lado, as direcções nacionais dependem de uma direcção internacional, sediada em Espanha, em Valência. Esta direcção é composta pelo fundador e por mais quinze pessoas que se encontram na associação há bastante tempo, pessoas que decidiram dar a sua vida para ajudarem os outros e que não são, tal como nenhum de nós, pagos por fazer esse trabalho.
— E como é que se chega a esse processo? Há eleições?
— Sim. Temos uma direcção, estatutos, fazem-se assembleias, e é tudo decidido entre os membros desse directório.
— O que é necessário para que um toxicómano possa entrar nessa associação?
— O mais fácil é telefonar-nos ou passar por aqui. Temos que falar cara a cara com as pessoas, até porque a informação temos que a dar aqui. Ou seja, aqui é que temos os vídeos, o nosso escritório para fazermos admissões. O passo seguinte é fazer análises, elaborar todo um dossier médico que é necessário para sabermos em que condições o jovem vem. E isto porque temos que proteger o jovem, saber com o que podemos contar da parte dele a nível médico, e proteger também os outros. Não sei se me entende. Não recusamos alguém que tenha, por exemplo, uma hepatite, mas temos que saber que esse jovem tem uma hepatite para podermos proteger os outros jovens que vão viver com ele. Pedimos toda uma série de análises médicas, um certificado do seu médico de família e mais duas ou três coisas. Queremos saber depois se a pessoa pode pagar e quanto por mês. A partir daí, dentro de dois ou três dias, o jovem pode entrar na associação. Não temos lista de espera.
— Quantos portugueses fazem parte neste momento da vossa associação?
— Neste momento somos seis mil jovens em todo o mundo, de mais ou menos vinte e duas nacionalidades. Portugueses há neste momento cerca de 550. Espanhóis, talvez uns 1500, e italianos mais do que isso. Americanos haverá uns 300, franceses uns 500.
— E no que diz respeito a pagamentos? Quanto custa uma admissão?
— Aqui nos Estados Unidos, aquilo a que nós chamamos condições completas, são, normalmente, quinhentos dólares por mês. Por exemplo, no Bronx é gratuito. Ou seja, temos uma fundação dentro da associação que ajuda os jovens que não têm possibilidades de pagar, e que têm o mesmo direito de saír da droga que os que podem.
— Qual é a mensagem que gostaria de deixar aqui para um consumidor de drogas, um toxicodependente?
— Que se lembre que me droguei durante oito anos. Que a mim ninguém, nenhum toxicodependente, me vai explicar o que é a droga. A droga nao interessa a ninguém. Consegue-se viver e rir sem a droga, e pode-se gozar muito mais a vida sem se ter necessidade disso. Talvez não sejam as palavras exactas. A vida é demasiado bela para ser vivida através de um vidro opaco, ou seja o que for.

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