PEDRO ABRUNHOSA MOSTROU QUE
É UM MESTRE NA ARTE DA SEDUÇÃO
© Ilídio Martins/Luso-Americano
25 de Fevereiro de 1998

Apesar da afluência de público não ter correspondido às minhas expectativas (pouco mais de meia sala mesmo depois de um reforço promocional nos últimos dias e das inúmeras borlas), o concerto de Pedro Abrunhosa e Bandemónio no New Jersey Performing Arts Center (NJPAC), na sexta-feira passada, saldou-se claramente por um sucesso junto do público, talvez excedendo mesmo as reservas dos menos optimistas ou dos que pura e simplesmente foram ao concerto sem saber muito bem o que iam ver. Mas se a escassez de público me surpreendeu, o sucesso da performance esteve à altura do que eu esperava, já que é sabido que Pedro Abrunhosa é um mestre no palco. Se dúvidas houvesse a esse respeito, o concerto no Prudential Hall desfê-las claramente, uma vez que a sala veio literalmente "abaixo" logo ao terceiro ou quarto tema, graças à eficácia de um músico muitíssimo experimentado nestas andanças e com um enorme poder de comunicação. Eficácia que, note-se, chega a passar pela alteração do alinhamento do espectáculo enquanto este decorre, permitindo-lhe ajustar o concerto à medida que o público vai reagindo.

Quanto ao conteúdo do espectáculo propriamente dito, ou seja, à música, começo por confessar que não me agrada muito ser de novo um desmancha prazeres (já o fui para o Madredeus, quando disse que este evoluiu musicalmente quando "toda a gente" achou o contrário), mas não estaria a ser honesto comigo próprio (e com os leitores) se não dissesse aqui o que realmente penso acerca do que vi e ouvi. E o que vi e ouvi foram três ou quatro temas que me pareceram muito bem conseguidos musicalmente. Os restantes achei-os pobres, alguns deles mesmo muito pobres. O que foi uma pena, já que sobraram excelentes executantes cujas qualidades poderiam ter sido bem mais rentabilizadas (estou a lembrar-me sobretudo de Edgar Caramelo, no saxofone, de Diana Basto, uma belíssima voz, e do "puto" João André, um excelente baixo). Além disso, o aparato cénico roçou por vezes o exagero, às vezes mesmo o gratuito, nada acrescentando à música.

Para quem não conhece Pedro Abrunhosa, vale a pena deixar aqui alguns traços da sua biografia. Nasce no Porto em Dezembro de 1960 e para a música há mais de 20, sobretudo como contrabaixista ligado ao jazz. Em 1994, com o álbum "Viagens", e em 1996, com novo trabalho discográfico ("Tempo"), Abrunhosa faz uma mudança radical no seu percurso musical e conquista nove discos de platina, feito que o transforma no grande fenómeno da música moderna portuguesa dos anos 90. O sucesso foi tão grande que decide arriscar comercialmente, por sua conta e risco, o seu nome em diversos produtos (óculos, sapatos, pins, etc.), ao que parece sem grande sucesso. Embora não pretenda fazer juízos de valor, a verdade é que Abrunhosa não se livra do estatuto do músico que um dia, farto de apanhar bonés (passe a expressão) num mundo musical (o jazz) sem grandes perspectivas de sobreviver profissionalmente, resolve explorar o lado comercial da música, ou seja, apostar naquilo que se costuma designar por uma carreira de sucesso. Só que, se é verdade que talento não lhe falta, o seu trabalho também tem que ser julgado por essa vertente. Dito de outra maneira, não se pode levar muito a sério um trabalho quando o próprio protagonista desse mesmo trabalho não o considera muito sério (pelo menos assumiu isso uma vez, em entrevista). E eu confesso que tenho muita dificuldade em acreditar num "produto" onde nem sequer o próprio autor se revê. E muito menos quando esse mesmo autor decide disfarçar-se de não sei quem (hoje os óculos, ontem os óculos, o turbante e não sei que mais) para vender um determinado produto ou, se calhar, para se esconder de si próprio.

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Desencontros - História escrita a duas mãos publicada em 22 fascículos.

Polémica Com Barroso da Fonte - Textos de uma polémica com Barroso da Fonte publicados no Semanário Transmontano.