PREGAR
NO DESERTO
©
Ilídio Martins/Encontro
Junho de 1998
ESTÓRIAS
- O espectáculo "Há Sempre Um Mar - Estórias da
Emigração", que o meu amigo José Luís Iglésias organizou
no ano passado para as comemorações do Dia de Portugal em Newark
e no qual eu tive o privilégio de colaborar, suscitou algumas
reacções curiosas a propósito do substantivo
"estórias". A mais interessante de todas veio de uma
professora de uma escola portuguesa, ao afirmar pura e
simplesmente que não iria ver o espectáculo porque tinha ficado
chocada pelo facto de "estórias" estar mal escrito.
Presumo que o suposto choque significa que a senhora professora é
rigorosa com a língua de Camões, o que só lhe fica bem.
Acontece que, embora não considere grave essa observação, mesmo
feita por um professor que ensina língua portuguesa, o termo
está correcto. E aproveito para lhe manifestar a minha
preocupação com o meu filho de sete anos, uma vez que é meu
desejo que ele aprenda a escrever e a falar correctamente a
língua do meu país. Sem estórias dessas pelo meio,
evidentemente.
ARROGÂNCIA - A Fundação Bernardino Coutinho
atribui todos os anos, por ocasião do Dia de Portugal, o Prémio
Camões a personalidades que, no seu entender, mais se têm
destacado na comunidade portuguesa. Embora o prémio seja
meramente simbólico (um busto do próprio Camões), parece-me que
ele se reveste de grande dignidade, até porque leva o nome de um
poeta maior de língua portuguesa. Daí que foi com algum espanto
que ouvi da boca de um dos premiados no ano passado, no suposto
discurso de agradecimento do prémio, dizer uma mão cheia de
disparates. Como se isso não bastasse, mais tarde o referido
senhor veio dizer nos jornais que as pessoas não tinham percebido
o que realmente ele tinha dito. Suponho que ele quis dizer que as
pessoas que o não tinham percebido são burras, mas talvez seja
suposição minha.
MENTIRA - Sempre achei um exagero criar-se uma
associação de artistas plásticos em Newark. Se não me engano,
a ideia partiu do ex-cônsul geral de Portugal em Newark, dr.
Júlio de Vasconcelos, certamente com a melhor das intenções.
Só que, tal como o disse na altura própria, nunca achei que
houvesse por aqui um número razoável de artistas plásticos,
pelo menos dignos desse nome, que justificasse semelhante
investimento. A iniciativa mais visível desta associação foi a
eleição de uma "miss", o que não deixo de recordar
sem sorrir. Tenho para mim que o aparente sumiço da coisa é um
caso de morte natural.
COMPLEXO - Não consigo perceber porque é que os
artistas mais velhos da comunidade se fazem passar por mais novos
nos anúncios de promoção dos espectáculos. É frequente
verem-se publicadas nos jornais fotografias tiradas nos vintes
quando alguns deles há muito que ultrapassaram os quarentas e os
cinquentas. Se a ideia é vender gato por lebre, parece-me óbvio
que não resulta. Todos eles são mais ou menos conhecidos de
todos, e todos os conhecem como eles realmente são. Admitindo que
não seja este o motivo, qual será então? Por mim, confesso que
não estou a ver.
ESPERTEZA - O "mayor" Sharpe James
pôs-se a milhas mal soube que um grupo de activistas
afro-americanos "descobriu" que a nossa Catarina de
Bragança terá tido um comportamento pouco digno para com os
negros da época. Para quem não conhece a história, tudo
começou com uma manifestação por parte do referido grupo
afro-americano de Queens, local previsto para a badalada estátua
da rainha portuguesa, que manifestou a sua indignação com a
localização da dita alegando que a senhora terá tido um
comportamento reprovável para com a comunidade afro-americana da
época. Pouco tempo depois, o "mayor" James, já
demissionário da comissão "Friends of Queen
Catherine", bateu com a mão no peito, alegando que na altura
da sua demissão não estava bem informado. Aqui está o que eu
chamo uma jogada politicamente notável. Em primeiro lugar,
demitiu-se da referida organização, o que é uma decisão
claramente política e não se toma de ânimo leve (muito menos
com falta de informação, obviamente). Depois, "fez as
pazes" com os portugueses, o que é puro folclore.
FOLCLORE - Pouco mais de um ano após a eleição
do Conselho das Comunidades Portuguesas, há já quem vaticine que
o dito tem os dias contados. De facto, é visível a confusão
reinante desde a primeira hora. A atribuição de uma verba por
parte do governo português, que os conselheiros acharam uma
miséria, e a definição de competências dos seus membros esteve
no centro da última controvérsia. Sem querer ser ave de mau
agouro, arriscaria dizer que este Conselho jamais atingirá os
fins para que foi criado. Por uma razão muito simples: a
dispersão dos seus membros por diversos países e a exiguidade
dos encontros entre si tornam difícil, se não mesmo impossível,
produzir alguma coisa de útil. Mas faço votos para que eu esteja
enganado.
PROMESSAS - Disse na edição do ano passado
desta mesma revista que o projecto previsto para o Riverbank Park
constituiu o acontecimento do ano para a comunidade portuguesa.
Como se vê, enganei-me redondamente. O projecto ficou na gaveta
durante largos meses, até que, possivelmente ressuscitado pela
oportunidade do calendário eleitoral, a questão voltou à
ribalta. Como se costuma dizer nestes casos, depois de ver o que
vi a única coisa que me apetece dizer é que para este peditório
já dei. A partir de agora, só acredito depois de ver a obra
feita.
MISSES - Tenho dificuldade em perceber como é
possível ainda hoje, em pleno final do século XX, os concursos
de "misses" serem tão populares. Depois de nos últimos
anos se ter falado tanto de emancipação da mulher e da
revolução sexual ter apanhado na adolescência
respeitabilíssimas mães de família de hoje, custa-me a crer que
as mulheres se sujeitem ainda hoje provavelmente à forma mais
primária (e humilhante) de avaliação. Pior, muito pior, é
quando esses concursos têm por alvo as crianças e os seus papás
se sentem muito bem com isso. Por mais que se diga que não é só
a beleza física que está em leilão, não me consta que alguém
tenha vencido um concurso do género devido à sua inteligência
ou cultura. Julgo que não é difícil perceber que as provas de
"cultura" introduzidas nesses concursos se destinam a
criar a ilusão de que não é só a beleza física que está em
causa mas também a suposta beleza interior. Como toda a gente
sabe, as concorrentes têm conhecimento prévio das perguntas,
pelo que é só debitar as ensaiadíssimas respostas. Ou seja, em
matéria de cultura e afins, é tudo mentira. O que conta é o
palmo de cara e, claro, o corpo.
BOM SENSO - Parece-me claro que o programa
português que passou pelo New Jersey Performing Arts Center
(NJPAC), da responsabilidade do governo português, foi uma aposta
ganha. Aliás, e apesar de estar ainda na infância, o próprio
NJPAC é já uma aposta ganha. Voltando ao programa português, se
é verdade que o critério que presidiu à sua elaboração é
discutível (todos os critérios são, afinal, discutíveis), não
é menos verdade que ele esteve dentro dos padrões geralmente
tidos como de qualidade. Descontando o programa de Maria João e
Mário Laginha, que foram abandonados à sua sorte, os nossos
patrícios aderiram em massa aos concertos portugueses (ou de
expressão portuguesa) que passaram pelos palcos do NJPAC. Isto
quer dizer, para o caso de alguém ter dúvidas, que os
portugueses que vivem aqui estão receptivos a espectáculos de
qualidade. Haja quem aposte neles em vez de apostar em
"artistas" de qualidade duvidosa. Se é verdade que
estes últimos são do agrado de muitos, também é verdade que
desagradam a outros tantos.
PRAGMATISMO - Discretamente, o Portuguese
American Congress (PAC) tem vindo a realizar um trabalho notável.
São milhares os emigrantes, sobretudo portugueses, que adquiriram
a cidadania americana graças ao empenho de uma organização que,
ao longo de 12 anos, se tem esforçado para que os residentes se
tornem cidadãos de pleno direito. Espera-se agora que esses
milhares de novos cidadãos assumam os seus direitos, isto é, que
votem sempre que a isso forem chamados. Só assim passam a ser
realmente tratados como cidadãos de pleno direito.
CAROLICE - O Ironbound Boys & Girls Club tem
sido, ao longo dos anos, uma verdadeira escola de futebol para os
mais pequenos. Graças ao esforço de meia dúzia de carolas, esta
instituição vocacionada para a infância e juventude tem
prestado um serviço notável à comunidade. Pena é que as
instalações se venham a degradar de ano para ano sem que,
aparentemente, o Salvation Army (entidade responsável) faça
alguma coisa para travar essa degradação.
DIGNIDADE - Disse-o na altura própria mas não
é demais repetir: o desporto comunitário ficou muitíssimo mais
pobre com o desaparecimento de Isauro Mendez. Pela sua integridade
como homem, pela sua postura exemplar como atleta e dirigente
desportivo, pela forma digna e sabiamente discreta como soube
cumprir a vida a que teve direito, Mendez foi uma pessoa de quem
era difícil não se gostar. A Luso International Sports
Association (LISA) decidiu, em boa hora, atribuir, a título
definitivo, o nome de Isauro Mendez ao tradicional torneio de
futebol de salão que se realiza todos os anos no Inverno. É um
gesto bonito por parte de uma organização a quem ele serviu como
ninguém e uma homenagem que se impunha.
DESABAFO - Este foi provavelmente o meu ano da
música. Não só pelas descobertas que fui fazendo mas também
pelo concerto da minha vida (Kronos Quartet). Cada vez percebo
melhor a afirmação de uma escritora portuguesa (suponho que foi
Natália Correia, mas não tenho a certeza), que disse que não
concebia o mundo sem música. Eu já tinha percebido isso, mas
cada vez sinto mais essa arte da combinação dos sons (e também
do silêncio, segundo alguns) como a suprema linguagem. Sou ateu,
mas não me custa nada dizer que, por vezes, quando ouço coisas
que tocam o mais fundo de mim (e são várias as que tocam o mais
fundo de mim), até me parece que Deus existe. Mas, se existir,
não tenho dúvidas que ele só pode ser músico. Porque essa
música a que me refiro é divina. Ou sublime, se quiserem.
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Não
Sei Porque Fui Dos Escolhidos Para Viver e Outros Foram Escolhidos Para Morrer
-
Joe Salgado, vice-presidente do Lar dos Leões de New Jersey, estava nas Twin
Towers no fatídico dia 11 de Setembro.
Saramago
e Eu
-
Crónica integrada num 'dossier' a propósito do Nobel da Literatura a José
Saramago.
Português
Desceu o Rio Amazonas
-
Entrevista com o autor do livro "Da Nascente à Foz do Amazonas - Uma
viagem Fantástica". Alfredo Nascimento, o autor, fala do livro e das
experiências únicas que viveu desde as montanhas geladas do Perú até ao
Brasil.
Algumas
Considerações Sobre os Emigrantes Portugueses em New Jersey
-
Oito questões acerca dos portugueses em New Jersey.
Pregar
no Deserto
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Os portugueses de New Jersey.
Imigrantes
Lusos São Portugueses de Primeira
-
Crónica acerca dos direitos e deveres dos imigrantes portugueses nos Estados
Unidos publicada sob o pseudónimo de José M. Costa.
Dulce
Pontes Encheu o Prudential Hall e Encerrou da Melhor Maneira Programa Português
no N.J.P.A.C.
-
Dulce Pontes mostrou trabalho de grande qualidade e encantou milhares de
portugueses.
Sons
da Lusofonia Deram Música de Primeiríssimo Plano no N.J.P.A.C.
-
Mais um concerto memorável no New Jersey Performing Arts Center. Crónica
acerca do que vi e ouvi.
Pedro
Abrunhosa Mostrou que é Um Mestre na Arte da Sedução
-
Abrunhosa e os Bandemónio "mandaram abaixo" a sala do NJPAC. Mas a
mim não me convenceram. Crónica de mal-dizer.
O
Sentido da Diferença
- Crónica a propósito da recandidatura de Mário Soares à Presidência da
República.
O.
J. Simpson: O Julgamento do Século
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O julgamento mais mediático de sempre visto pouco tempo antes de ser conhecido
o veredicto.
Maria
João e Mário Laginha no N.J.P.A.C.: Duo Português Deu Lição de Bom Gosto e
Humildade
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Duo português regressou ao New Jersey Performing Arts Center (New Jersey,
EUA) para mais um excelente concerto.
Um
"Santo de Carne e Osso"
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Crónica a propósito da visita a New Jersey do Padre Caetano, que se
auto-intitula "santo de carne e osso". Uma visita a uma das suas
"homilias" e uma consulta em privado.
Ex-Toxicodependente
Fala das Drogas e de Como Se Livrou Delas
-
Entrevista com um ex-toxicodependente de drogas duras. A experiência da droga e
a receita da cura.
Portugueses
Deram a Volta aos E.U.A. em 15 Dias
-
A aventura de oito motociclistas portugueses e luso-americanos que percorreram
os Estados Unidos de mota.
Ballet
Gulbenkian Mostrou Trabalho de Altíssimo Nível no Victoria Theater
- A Gulbenkian mostrou um corpo de bailarinos de altíssimo nível. Mais um pé
de dança.
Maria
João e Mário Laginha: O Excelente Concerto Que os Portugueses Não Viram
-
O duo português realizou uma performance notável no New Jersey Performing Arts
Center. Numa noite em que Betty Carter foi cabeça de cartaz.
Madredeus
Surpreende, Cesária Confirma
-
Grupo de Pedro Ayres Magalhães arrisca concerto com repertório praticamente
desconhecido. Cesária confirma o que se esperava.
Olga
Roriz Mostrou no Victoria Theater Universo Muito Próprio
-
A Olga Roriz Companhia de Dança mostrou em New Jersey um belíssimo trabalho.
Crónica de uma sedução.
Desencontros
-
História escrita a duas mãos publicada em 22 fascículos.
Polémica
Com Barroso da Fonte
-
Textos de uma polémica com Barroso da Fonte publicados no Semanário
Transmontano.
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