ILÍDIO MARTINS página pessoal |
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TUDO NORMAL Meio-dia em ponto num restaurante portuga. Ao balcão, dois patrícios enchem as ventas de peixe. O mais velho arrota sem cerimónia e não se cansa de gabar o tintol. Que não quer saber da viagem, que a ele ninguém o apanha a guiar; que esta vida são dois dias, quem cá ficar que se amanhe. O mais novo faz que sim com a cabeça e depois dá uma risada nervosa. Já no brandy, o mais velho informa o mais novo que a taxa de álcool é agora de 0,2 por centro. Zero vírgula dois por cento, repete ele ao mais novo, certificando-se de que este ouviu bem o que ele disse e ignorando que a lei já não é assim. "Mas atão isso é só uma cerbeija", concluiu o mais novo num golpe de lucidez. E depois abaixou o focinho para a sobremesa e resmungou um palavrão. Numa mesa, numa daquelas onde se vê tudo quanto se passa, um casal fala alto e põe defeitos em tudo. Que a comida não devia ser assim mas assado; que o serviço é uma merda; que está sol mas devia chover. A pouco distância, um jumento assobia um fadinho enquanto observa quem sai e quem entra. Às vezes mete o mindinho numa orelha, escarafuncha generosamente e depois fica a olhar a merda que fez. Completa este magnífico cenário um cavalheiro todo vestido de branco com manchas de surro por todo o lado, que se entretém a bater com o garfo numa faca enquanto aguarda a manjedoura. Trata-se do cozinheiro, um tipo baixote que eu nunca vi sem a fardeta naquele estado e sem um lápis encavalitado numa orelha. A novidade é que agora espirra que se farta, nem sempre em direcção a um lenço num estado miserável, e eu começo a imaginar a criatura na cozinha a espirrar gafanhotos por todo o lado. Mas nada que não esteja dentro da normalidade, não senhor. Anormal, aqui, só eu.
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Até Já
• 13-01-2011 |