ILÍDIO MARTINS página pessoal |
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VERÃO QUENTE Lia eu as aventuras de Artur Corvelo quando uma magnífica pequena se sentou atrás de mim. Ia naquela parte em que o autor de Esmaltes e Jóias acordava numa pensão reles ao lado de uma catraia de aspecto medonho, mas poucos minutos bastaram para que eu me esquecesse do personagem de Eça. A pequena começou por pedir conselhos sobre o que havia de comer. Quis saber se a comida vinha assim ou assado, se não seria melhor frito ou cozido. O empregado, coitado, gaguejava umas sugestões muito mal-amanhadas, e esforçava-se por ignorar o decote. Entretanto, o serviço do restaurante degradou-se rapidamente, pois os empregados estavam cada vez mais atentos aos movimentos da pequena, e cada vez mais surdos para o resto da freguesia. Como a donzela estava sentada mesmo atrás de mim, obrigando os olhares a convergir na minha direcção, aproveitei para observar os mirones. Havia de tudo: rostos iluminados pela lascívia, e quem só se atrevia a um olhar fugidio; respeitosos pais de família, e quem já não ia lá das pernas; algumas mulheres incomodadas, e outras com inveja de não estar no lugar dela. De repente, a donzela pôs-se de pé e saiu porta fora com o mesmo aparato com que entrou: despidíssima, andar que nem sei, dúzias de olhos em cima dela. As conversas subiram de tom, e estalaram risadas aqui e ali. A ordem regressou ao restaurante, e lá pude eu voltar ao Eça. Ao Eça que tão bem descreveria uma cena destas, e que poria o Artur Corvelo a sentir «uma vibração de concupiscência» da nuca aos calcanhares em vez de lamentar ter acordado ao lado de uma matrona que não sabia quem era e com os beiços «ainda roxos de vinho da véspera».
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Até Já
• 13-01-2011 |