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DO OUTRO MUNDO Não me lembro se foi a primeira, mas foi das primeiras vezes que vi televisão. Foi num anfiteatro improvisado num barracão, aos domingos à tarde, embora só tenha uma vaga ideia do que via. Lembro-me que ainda a TV era a preto-e-branco, do farnel que a minha mãe me preparava para a ocasião, e pouco mais. O sr. Alberto era o responsável por aquilo, que mais tarde transformaria numa espécie de percursora das casas de jogos electrónicos de hoje. Uma vez «inventou» a electricidade, que passou a fornecer a casa onde vivia. Outra vez inventou uma geringonça para afugentar a passarada das sementeiras. A mais célebre, porém, foi a que meteu «almas do outro mundo». Contava-se que havia um sujeito que desdenhava de bruxarias, que tudo não passava de uma mentira, que era só o que lhe faltava ter medo de coisas dessas. Posto ao corrente do caso, o sr. Alberto desafiou-o para uma «sessão de espiritismo», ao que o valentão acedeu por condescendência. Chegado o dia, o sujeito deslocou-se à casa do sr. Alberto, que então vivia numa quinta afastada do povoado. A sessão começou com a leitura de supostas passagens do Livro de S. Cipriano, pouco antes da meia-noite, hora aprazada para as «almas do outro mundo». Uma vela iluminava parcamente uma divisão no primeiro andar. Sentado num banco, o sr. Alberto lia o S. Cipriano, enquanto o filho mais velho e o valentão escutavam em silêncio. À meia-noite em ponto, a vela apagou-se por artes não se sabe de quê, e o infeliz vê-se caído numa fossa, atolado até ao pescoço. Fora de si, desembaraçou-se o mais depressa que pôde e só parou de correr quando chegou ao povoado, dois quilómetros sempre a subir. Conta-se que foi preciso um mês para lhe desaparecer o cheiro das «almas do outro mundo».
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Até Já
• 13-01-2011 |