CÉSAR AUGUSTO
Newark, New Jersey, 23-5-2000
Na sua última crónica no "Diário de Notícias", João César das Neves fez
uma longa dissertação acerca da imprensa que merece alguns reparos.
Segundo ele, "o problema central da imprensa" de hoje resume-se na
palavra "verdade", que procura com obsessão e de forma dramática. César
das Neves disse mais sobre a verdade: "(...) para ser conhecida, tem de
ser amada. Quem busca a verdade de forma neutra, asséptica,
desapaixonada, nunca a encontrará". Se me dá licença, eu discordo.
Parece-me óbvio que, mesmo que nunca se chegue a alcançar, é menos
difícil encontrar a "verdade" quando ela se procura de forma neutra,
asséptica e desapaixonada, como o senhor diz, do que com a sua romântica
história de amor. É sabido que o amor nem sempre é bom conselheiro
quando se procura a verdade, já que, por regra, este não deixa grande
espaço para um sempre recomendável distanciamento. Mais adiante, César
das Neves meteu-se num terreno armadilhado. Segundo ele, "a imprensa,
procurando ouvir todos os lados, mesmo os irrelevantes, dá um
protagonismo aos pequenos partidos marginais, PCP e PP, muito para além
do seu real significado político. E isso é ainda pior nos partidos
microscópicos, como o Bloco de Esquerda, que têm menos apoio e
relevância que um clube da III Divisão." Eu volto a discordar. Não é
função da imprensa dar maior ou menor protagonismo a quem quer que seja.
A função da imprensa é divulgar o que achar relevante e, em última
análise, destacar os assuntos que mais interessam ao seu público-alvo,
atribuindo importância menor, ou até mesmo nenhuma, ao que não interessa
aos seus leitores. Se este critério resultar num maior protagonismo dos
"partidos marginais", é uma consequência e não um fim em si mesmo. A
imprensa não tem que dar um tratamento proporcional às diversas forças
políticas ou outras forças sociais. A sua missão é informar o que
interessa aos seus leitores. Se a notícia está no PSD ou no Bloco de
Esquerda, é irrelevante. A seguir, César das Neves meteu-se por um
caminho que é, no mínimo, curioso. Diz ele sobre o tratamento que deve
ser dado à informação: "O maior falhanço da nossa imprensa honesta vem
nos casos em que os assuntos têm apenas um lado. Em muitos dos temas da
actualidade há apenas uma forma natural e razoável de os abordar. Aí é
que o princípio de 'ouvir sempre os dois lados da questão' cria os
piores resultados. O esforço de gerar polémica, de abrir conflito, de
suscitar dúvida, para assim poder cumprir a sua função de "forma
equilibrada", torna-se gravemente prejudicial, como nos casos da
especulação cambial, crime, droga e tantos outros recentes."
Infelizmente César das Neves foi muito genérico sobre os assuntos que
têm apenas um lado e não explicou qual é a "forma natural" de os
abordar. De qualquer modo, se o esforço da imprensa consegue gerar
polémica, abrir conflitos e suscitar dúvidas, onde é que está o
problema? Eu acho muito bem que a imprensa gere polémica, abra conflitos
e suscite dúvidas. Gravemente prejudicial porquê? Confesso que isto me
cheira a Estado Novo, tanto mais que, logo a seguir, acrescenta:
"Quando, por exemplo, o senhor primeiro-ministro inaugura um hospital ou
uma escola, isso é informação. Mas se nesse dia um idiota qualquer do
Governo ou da oposição fez uma declaração bombástica, essa notícia
irrelevante sobrepõe-se à informação interessante. Aquilo que interessa
ao jornalista não é informar, mas dar o prisma estranho." Descontando "o
prisma estranho", que eu não percebi, este exemplo resume bem o que o
senhor César das Neves pensa acerca do que deve ser a imprensa séria. O
senhor quer dizer que, no caso em apreço, o mais importante é a
inauguração do senhor primeiro-ministro, quando toda a gente sabe que
uma inauguração como a que referiu é, por regra, um assunto sem grande
interesse informativo (para os jornais e para os leitores). Mas não
acontece o mesmo se "um idiota qualquer do Governo ou da oposição faz
uma declaração bombástica", porque, como o senhor diz, se a declaração é
bombástica toda a gente vai querer saber. Para além de que uma
declaração bombástica não é necessariamente um disparate ou um "fait
divers", como é óbvio. Como se vê, o exemplo é péssimo, além de me
cheirar a parentes falecidos. Seguramente que há razões para criticar o
que se publica por aí na chamada "imprensa séria" e é mais do que
saudável (e importante) que isso aconteça. Mas assim não vamos a lado
nenhum.
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